quinta-feira, 23 de setembro de 2010

VALORIZANDO NOSSOS VALORES

ZUENIR VENTURA

Acostumados com o clichê preconceituoso que acredita não haver vida inteligente fora do eixo Rio-São Paulo, nos surpreendemos quando encontramos alguma atividade cultural em cidades do chamado "interior" — o "centro" somos nós, claro. Por exemplo: onde é possível reunir cerca de 650 mil pessoas, um terço dos moradores, para tratar de um assunto meio fora de moda, a leitura? Pois acabo de ver o fenômeno em Belém, na XIV Feira Pan-Amazônica do Livro, um dos três principais eventos do gênero no Brasil, este ano dedicada à África de fala portuguesa. Houve shows com Gilberto Gil, Lenine, Emílio Santiago, Luiza Possi, mas o destaque foram os R$30 milhões faturados com a venda de 500 mil volumes, superando, segundo os organizadores, a Bienal do Rio.


Há cidades brasileiras que só vendo. A capital do Pará é uma delas. Além de ser uma das mais hospitaleiras do país, gosta de seu passado e é hoje um exemplo de como revitalizá-lo. Já escrevi e repito que a intervenção que o arquiteto Paulo Chaves fez no cais da cidade, transformando armazéns e galpões na monumental Estação das Docas, é uma obra que não deve nada à que foi realizada em Barcelona ou Nova York (o prefeito Eduardo Paes devia ir lá ver). Outro genial exemplo de reaproveitamento é o centro onde se realiza a Feira, o Hangar, um gigantesco espaço que antes, como diz o nome, servia de estacionamento para aviões.

E não fica nisso. Há roteiros culturais como o do núcleo Feliz Lusitânia e seu Museu de Arte Sacra, onde se encontram uma Pietá toda em madeira, o São Sebastião de cabelos ondulados e a famosa N. S. do Leite, com o seio esquerdo à mostra dando de mamar. Sem falar nos museus do Encontro e de Gemas do Pará, e numa ida a Icoaraci para ver as cerâmicas marajoara, tapajônica e rupestre.

Para quem gosta de experiências antropológicas, recomenda-se — além dos 48 sabores regionais, a maioria, do sorvete Cairu — uma manhã no mercado Ver-o-Peso, onde me delicio nas barracas de banhos de cheiro lendo os rótulos: "Pega não me larga", "Amansa corno", "Afasta espírito", "Chora nos meus pés". Com destaque para o patchuli, que a vendedora me diz ser o odor de Belém. Mas antes deve-se passar pela área dos peixes: douradas, sardas, tucunarés, enchovas, piranhas, tará-açus. "Esse aqui é o piramutaba", vai me mostrando o nosso guia, o cronista Denis Cavalcanti; "aquele é o mapará, olha o tamanho desse filhote".

Desta vez, o ponto alto da visita foi uma respeitável velhinha fazendo o comercial do Viagra Amazônico para mim e o Luis Fernando Verissimo: "O sr. dá três sem tirar, e depois ainda toca uma punhetinha". Isso com a cara mais séria do mundo, sem qualquer malícia, como se estivesse receitando um remédio pra dor de cabeça. Só vendo.

Publicado no Globo de 08/09/2010

SÓ SENDO PARAENSE PRA ENTENDER O TEXTO!



Um dia eu tava buiado, pensei em ir lá em baixo comprar uns tamatás. Só que eu tava cuma murrinha, mas criei coragem, peguei o sacrabala e varei pro veropa. Chequei um pouco tarde e só tinha peixe dispré. Égua, o sumano que tava vendendo tinha uma teba duma orelha... algo assim, do tipo, se nascessem nas costas seriam asas e ele um anjo. O gala-seca num espirrou em cima do tamatá dum tio que tinha acabado de comprar, e no meu tembéim. Ficou tudo cheio de bustela... Axiiiiiii, porcaria! Não é potoca, não. O dono dos tamatá muquiou o orelha-de-nós-todo; mas malinou mesmo. Eu até saí dalí e fui comer uma unha. Peguei logo a mais porruda! Tu é doido... quase que eu levo o farelo depois. Me deu um piriri. Também... perece até que eu sô leso, comer engasga-gato no veropa. Aí eu mudei de ideia e comprei sururu, um cupu e um bacuzão porrudão pra cozinhar no tucupi, muinto fiiiiiirme, mas um pouco pitiú. Depois disso tudo fui pra parada esperar o busão. Vi logo duas pipira varejando fazendo graça. Eu pensando com meus botões: “Já quer...” Só que varô um Paar-Ceasa sequinho e elas pegaro o beco... Fiquei na roça, fui o lara... Eu tava numa panemice, ispia só: além do sacrabala vim cheio, ainda caiu um toró... Égua tédoidé, pensa num bonde socado. Eu já tava esprimido, aí eu gritei pro motora: “éguaaaaaaaa, rumbora logo.” O busão ainda tava com as janelas fechadas por causa da chuva; aí começou aquele calor muito palha. De repente uma tiazinha bem gaga, que tava em pé quase despombalecendo. Daí o velho que tava com ela gritou pra galera: “Arredaí, piqueno pra senhora sentar aí na tua ilharga”. Ahahahahaha... o pivete só fez soltar: “Huuummm, tá cheiroso...”.