segunda-feira, 3 de maio de 2010

É PROIBIDO PROIBIR

Penso (e já proporcionei aos meus alunos um debate sobre o tema) que o poder público deva ter muito mais com o que se preocupar que com impedimentos nas salas de aula. Ora vejam só! Algumas questões, de fato, não podem ser deixadas de lado, ainda mais quando há gravidades que se reverberarão nos comportamentos e atitudes dos indivíduos que nas escolas se encontram em processo de formação.

A vida humana já vem sendo desrespeitada sem que para isso seus donos aceitem, permitam ou concordem com o que lhes impõem, principalmente nos espaços em que se busca algum tipo de qualificação para melhor viver. Com a escola não haveria de ser muito diferente. São tantas as imposições de modo que estudar foi se transformando (se desconfigurando, para ser mais enfático) numa atividade simples, óbvia, maçante e sem atrativos reais que, principalmente, situe o educando em seu tempo e espaço, fazendo-se funcional e sem formalismos tradicionais.

Ao discutir a questão da proibição do uso de celular nas salas de aula, voltemos um pouco no tempo e nos lembremos dos “gibis”, que também foram “crucificados” numa época em que se acreditava que só as cartilhas, o caderno, o lápis e o quadro eram suficientes (e o professor?). Daí, o mundo evoluiu, a sociedade se desenvolveu... e algumas mentalidades retrogradas deram vazão às novas tecnologias e tendências. É assim que deve pensar quem lida com pessoas, ainda mais as que estão em processo de “lapidação”. Porque é o público juvenil que está mais modernizado – e não atualizado; porque é dessa forma que se pode reverter a situação: canalizar os meios modernos para a funcionalidade, para a praticidade dos recursos que se tem a mão. Já é possível encontrarmos escolas que foram taxativas quanto ao uso dos celulares, mas que souberam reavaliar suas posturas e adotaram métodos de inclusão do recurso de modo que os mesmos se tornaram ferramentas quase que fundamentais para a comunicação moderna e para o próprio processo de ensino e aprendizado.

Na capital paraense, por exemplo, uma universidade até discutiu o tema em seu vestibular, e foi relevante o desempenho das redações, pois muitos dos candidatos haviam passado, recentemente, pela situação; e a discussão passou pela “conveniência ou não” do uso do aparelho.

Ao bem da verdade, somos sabedores da máxima de que “há males que vêm para o bem”, que seria, porém, melhor aceita, se analisada às avessas; pois há muito mais bens que são utilizados para o mal do que se possa imaginar. Afinal, Santos Dumont não idealizou o avião para ser uma das mais eficazes armas de guerra. Nem Júlio Verne sugeriu em sua literatura (Vinte Mil Léguas Submarinas) que os submarinos os fossem também. Com o celular não é diferente, assim que alguém o inventou para facilitar a comunicação, um outro alguém pensou que daria muito mais “dividendos” se utilizado para outros fins que não os devidamente corretos. Daí os celulares munidos de alto nível tecnológico, muito mais que elemento canalizador da comunicação, verdadeiras “armas” as câmeras, os gravadores de vozes; culpa dos alunos? Claro que não. É o avanço quem pede, é a evolução quem exige; e as pessoas só seguem as tendências da modernidade. Mas é inegável que a discussão deva se dar no âmbito da “conveniência”, não da proibição.

Outra questão que não se deve perder na discussão é o fato de querermos sempre taxar um ou outro de culpado pleno pelos problemas em qualquer fase da vida e em qualquer situação; principalmente quando se trata da educação e da juventude. Culpar a família ajuda, realmente, a resolver o problema quando ele, de fato, existe? Culpar a escola alivia a quem, afinal? A indisciplina é problema de todos, assim como é de todos, também, a solução. No entanto, que existem educadores, na plenitude da palavra – dos pais aos professores, que não sabem como agir, porque, principalmente, não se definem quanto às posturas, ah, isso tem e muito. Desde aqueles que explicitamente dizem aos filhos: “Se perceber que está no seu direito, grite, discuta e até bata, se preciso for...” aos que entendem que o bom desempenho de seus filhos depende do acordo e da harmonia que há entre as partes interessadas.

Uma outra questão muito séria discutida, e exposta no depoimento de um educador á Revista Pedagogia & Educação, é quanto aos direitos. Direito a quem afinal? Pois a pauta é o rigor sobre o uso de celular nas salas de aula. Só que ninguém discute o desrespeito aos profissionais que na ocasião estão na sala de aula desempenhando seu papel de facilitador e transmissor de conhecimento e informação, é o dever dele, certo? Mas e o direito ao respeito? O respeito à sua formação, ao seu empenho, aos seus estudos, à sua responsabilidade; são remunerados para isso, é obrigação, dever... mas todo dever é pautado numa reciprocidade: os direitos de um começam quando terminam os do outro; e essa falta de visão pautada na unilateralidade coloca em “xeque” o direito do professor, dos técnicos que são responsáveis pela ordem do espaço que é o de ensinar e aprender. Se assim não for, por que reclamar de professores espancados, mordidos e ofendidos frequentemente? Ou de jovens estudantes que, ao celular, atenderam ao chamado dos pais?

Por fim, é de se perceber que o celular em si não é o problema. Há na discussão uma batalha de vaidade: quem e o que pode ser feito; e quem e o que não pode ser feito. Quanto ao local tanto faz se na escola, no restaurante, na igreja, ou em casa mesmo, é preciso perceber, compreender que nossa sociedade é regida por preceitos que, pautados na cidadania, determinam o proibido e o licenciado. Prudência e conveniência são posturas a serem tomadas antes de aplicar ao material, objeto – seja o celular, o boné, os brincos, piercings, tatuagens, óculos, camisetas – qualquer culpa que caiba à mente de quem só vê o mal onde ele justamente não existe ou não está.



Alci Santos
Professor de Língua Portuguesa e Contador de Histórias
professorsantos@bol.com.br

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