segunda-feira, 3 de maio de 2010

QUE PAÍS É ESSE?

Entrevista para o jornal DIÁRIO DO PARÁ sobre a releitura de ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS para o cinema, segundo TIM BURTON

1. Como foi que Alice no País das Maravilhas surgiu?

O escritor Charles Lutwidge Dodgson, aliás, o professor de matemática e fotógrafo, porque como escritor mesmo ele é Lewis Carol, e como todo gênio fora também incomodado por tanta inventividade. Por conta disso existem lendas sobre seus escritos, principalmente sobre esta que se tornou notória para sua coleção de boas literaturas. Ele sempre estava na companhia de amigos a confabular novos feitos; e nas casas dos amigos havia crianças, com as quais ele tinha boas relações. Acredita-se que numa dessas visitas a Alice Pleasance Liddell a segunda filha de Henry George Liddell. Alice tornou-se a maior fonte de inspiração de Dodgson e fonte constante de inspiração para seus dois mais conhecidos livros, embora ao final da escrita de "Alice no país das maravilhas" a amizade estivesse diminuindo, talvez porque a menina que o ajudava a vislumbrar fantasias em mundos encantados e personagens que só existiam na cabeça dos dois. Conta-se que numa das visitas à família Liddell, enquanto passeavam de barca, Dodgson, ou Caroll, começou a inventar uma história louca, de princípio, sem pé nem cabeça, e a menina gostou tanto, talvez pela coincidência do nome da personagem, que o próprio resolveu organizar a história, sem deixar de ser maluca, pois a menina havia gostado daquele jeito, e assim supõe-se ter surgido esse conto de fada moderno. Há, ainda, a especulação, bem procedente também, de que Alice é uma alusão às letras iniciais do pseudônimo (nome falso) de Dodgson, ou seja: L (él) e C (cí), de Lewis Caroll.

2. Qual o valor literário da história de Alice no País das Maravilhas e como podemos entendê-la melhor?

A literatura é arte e como tal é fruto da inventividade humana, essa capacidade que só o ser humano consegue dominar e desenvolver, ainda que algumas outras espécies animais se mostrem engenhosas, mas no caso delas é uma questão de sobrevivência e adaptação. Alice no País das Maravilhas é o surrealismo falado, na modalidade escrita. Não se sabe ao certo se as literaturas, enquanto objeto de uma lucidez inconsciente, foram feitas para ser entendidas. Muitos escritores preferem acreditar que suas histórias são inacabadas, pois o final cada leitor, ao seu modo, é quem diz como deve acabar, basta percebermos as diversas adaptações existentes de tantos outros clássicos da literatura universal. E não podemos classificá-las como uma sendo pior ou melhor que a outra, pois são leituras diversas e devem ser respeitadas como tais; esse é o grande barato da literatura. Um conselho: é bem melhor não querer entender as boas histórias que embalaram e embalam nossos sonhos, pois eles acabam por revelar algumas verdades que não condizem com a fantasia – daí teríamos que nos tornar Alices, para buscar abrigo em países maravilhosos; ou Peter Pans, para fugirmos para uma terra do nunca; ou que um furacão nos leve para bem longe, e quem sabe lá nesse lugar qualquer encontremos Doroth, no mundo mágico de Oz.

3. Fale um pouco, em seu conhecimento, por que as crianças olham para essa obra com fascinação? Será que elas conseguem entender realmente o objetivo da obra?

Tudo o que trás a realidade desvirtuada chama a atenção de quem quer que seja. Não é só a criança que se sente fascinada pela fantasia, a questão é que algumas culturas determinam que adultos têm de ser fortes, frios e, quase, sempre secos. E o encanto da magia, principalmente, provocado pelas narrativas fabulosas, como é o caso de Alice, acabam revelando os verdadeiros adultos que somos, ou seja: não queríamos ser. As crianças entendem sim; e existem obras bem complexas escritas para o público infantil, dentre as quais, Pinóquio, O Mágico de Oz, O pequeno príncipe, a própria Chapeuzinho, são obras de uma época em que parecia que os pequerruchos eram mais prestigiados de intelecto que os nossos, pois estas obras não só “historinhas” são livros. Muito do que conhecemos chega a ser o resumo de uma síntese. Histórias em livro que se consolidam em míseras páginas que suprimem o máximo das boas ideias que há nos originais.

4. O filme que irá estrear será baseado no livro?

Não. Mas não por isso deve ser desmerecido, valerá pelas figuras que representarão figuras, a começar pela direção de Tim Burton e pelo consagradíssimo Johnny Depp, encarnando o Chapeleiro Maluco, que, convenhamos, é a cara de Depp. A história não chega a ser sequer um remaker, pois o enredo é outro. Alice agora não será mais uma menininha, pois a história se passará após 13 anos do final da história conhecida por todos – inclusive, isso lembra a obra de Pedro Bandeira, que recentemente virou filme estrelado pela primogênita de Xuxa Meneghel, O Fantástico Mistério de Feiurinha, que se passa 25 anos depois do “viveram felizes para sempre”. Alice, porém, como adulta que agora é, passará a assumir compromissos de adultos, mas não está, ao que tudo indica, muito preparada ou afim de fazê-lo, por isso, ao descobrir que será pedida em casamento ela foge, e na fuga acaba por encontrar um coelho branco que também corre afoito... Epa, mas essa cena nos já conhecemos, só que ela não lembra disso... Como veem é uma releitura, ao estilo da imaginação de cada um que se encanta com qualquer boa história, basta lembrar que “Quem conta um conto, aumenta um ponto.”

5. Fale um pouco das características e curiosidades dos personagens: Alice, gato, chapeleiro maluco, coelho e rainha de copas.

Antes vale lembrar que a paixão inicial de Dodgson, era a matemática. Talvez tenha se tornado escritor ocasionalmente, e que sorte que, não uma, mas duas de suas obras ganharam o gosto mundial. Ambos os livros infantis de Carroll contêm inúmeros problemas de matemática e lógica ocultos no seu texto. Em Alice no país da maravilhas, a personagem principal entra em uma toca atrás de um coelho falante e cai em um mundo fantástico e fantasioso. Muitos enigmas contidos em suas obras são quase que imperceptíveis para os leitores atuais, principalmente porque contém referências da época em que foi originalmente escrita a obra, piadas locais (Inglaterra) e trocadilhos que só fazem sentido na língua inglesa.

Alice é a protagonista da história, tem cabelos loiros que vivem amarrados por uma faixa preta, segundo as descrições na introdução da história. É bem racional para sua idade e corajosa, e vai fazendo considerações à medida que a aventura prossegue.

Gato Risonho é extremamente independente e consegue desaparecer e aparecer. Além disso, o gato é representado como um representativo da raça British Shorthair, devido à forma da boca, considerada como um sorriso; o bichano seria uma das poucas distrações da menina Alice, a real. Assim como Doroth, acariciava o seu Totó, Dodgson, resolveu prestar homenagem aos felinos.

Chapeleiro Louco e a Lebre de Março são figuras retiradas de expressões populares da língua inglesa, como os nossos ditados, dizia-se: “louco como uma lebre de março” ou “louco como um Chapeleiro”, devido ao vapor de mercúrio usado na fabricação de feltro que causa transtornos psicóticos. O Chapeleiro louco, provavelmente, é uma referência a mais um dos tantos amigos de Caroll que metaforicamente aparecem em suas obras; dessa vez seria um conhecido comerciante de móveis em
Oxford pelas suas invenções pouco ortodoxas e pelo uso de uma cartola na parte de trás da cabeça à porta da sua loja, o amigo era Teófilo Carter. Como nada no País das Maravilhas era normal, ambos mostram-se totalmente loucos (como todos os outros moradores do País das Maravilhas, segundo o próprio Gato Risonho). Estão perpetuamente na hora do chá, outra marca da rígida cultura inglesa, porque, segundo eles, o Chapeleiro discutiu no mês de Março com o Tempo e, em vingança, este não muda a hora para os dois habitantes. O Chapeleiro aparentemente teve problemas com a Rainha ao cantar uma música na sua presença, pelo que esta sentenciou a sua decapitação sob o pretexto de estar a matar o Tempo.

Coelho Branco é quem inicia a aventura, quando Alice o segue até a toca. Ele carrega um relógio e parece estar muito atrasado para alguma coisa. É a parte que representa o Tempo que sempre é citado na obra. Em contraste com a Alice, o Coelho Branco tem medo de tudo (engraçado, porque quem tem medo, segundo as Fábulas de Esopo ou La Fantaine são as lebres, não os coelhos... e há diferenças entre as espécies). Esta oposição foi pretendida pelo autor para enfatizar os atributos positivos da personalidade da personagem principal. E durante o julgamento de um valete de copas (o último capítulo), dá-se uma mudança repentina na covardia, revelando uma vontade de manipular.

Rainha de Copas é talvez a caricatura da mãe das irmãs Liddell (vale ressaltar que antes de mergulhar, literalmente, já que cai num buraco, no País das Maravilhas, Alice estava ouvindo a irmã contar uma história, mas só com palavras o negócio não estava muito agradável, daí Alice resolveu colher flores, perseguir borboletas, até que viu o Coelho branco fugindo). A Rainha é extremamente autoritária e impulsiva, estando constantemente a ordenar aos seus soldados (cartas de baralho) decapitar todos. Porém é apenas uma fantasia dela, já que ninguém morre.

6. O que você espera deste filme? Qual é a expectativa?

O filme será, com certeza, um sucesso já assegurado pela própria obra ao qual se refere e aos seus produtores. Mas ressalto: é bom vê-lo com os olhos da alma, estar despido de pudores técnicos; aqueles olhares de que os torcedores de futebol se amparam para querer escalar os times, se achando tão capazes quanto os treinadores. Cada leitura é uma leitura e deve ser encarada como uma nova possibilidade capaz. A obra que não se permite ser renovada é limitada a se fadar em seu tempo, e as obras que agora ressurgem só estão assim (Deu a louca na Chapeuzinho, Encantada, A princesa e o sapo) porque as estávamos esquecendo e as crianças não tendo oportunidade de ouvi-las, e agora continuam não ouvindo, só veem.



Alci Santos
Professor de Língua Portuguesa e Contador de Histórias
professorsantos@bol.com

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