sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A PROVA COMO UM TODO

Não é de minha intenção advogar em nome da universidade pública estadual, mas gostaria de usar deste espaço democrático para expor umas ideias a respeito da prova de Redação nos vestibulares; e o que me motivou a tanto foi o texto da senhora Mônica Simão Coral, publicado nesta mesma seção, no dia 26 de janeiro, sob o título: Redação como avaliação; o qual, inclusive, desde a publicação, venho utilizando em diversas aulas preparatórias para a tal prova de vestibular, dessa vez, para o ingresso à universidade federal, no sentido de esclarecer situações e até, na medida do possível, desmistificar esse mito (o de que é a Redação que de fato elimina) ratificado por esta mãe preocupada, não com o próprio filho, já que o mesmo foi aprovado em dois vestibulares, mas com os colegas de seu prodígio.

Longe de mim, também, utilizar de meus atributos com o domínio sobre alguns dos recursos linguísticos em função de minha condição de professor de língua portuguesa e redação para julgar o que pensa a dona Mônica. Muito pelo contrário. Para início de conversa, gostaria até de parabenizá-la, afinal não são muitos os que, a não ser para fazer acusações diretas aos governos, tem a coragem de fazer uso da palavra escrita para questionar, sugerir, solicitar esclarecimentos, revelar dúvidas ou colaborar para que a vida, em qualquer momento e circunstância, possa ser bem melhor... E no caso, dos processos seletivos, muitos veem, justamente aí, uma fonte possível de garantir o tal bem-estar – muito baseado no “status”.

Esclareça-se aqui que o fato de uma pessoa ter bom desempenho na escrita de textos durante sua preparação para o vestibular ou durante a vida escolar, nos ensinos fundamental e médio, não determinará na hora do “vamos ver” que seu rendimento será igual; pois não é só dos fatores de possuir boas ideias e dominar os recursos linguísticos que depende o êxito do candidato, mas de uma objetiva “noção do todo”. Ou seja, a prova é realizada em partes e etapas: as partes correspondem às disciplinas; e as etapas, aos três anos do nível médio de ensino. Logo, devem ser assim assimilados e compreendidos para que se obtenha como produto final o bom rendimento: a aprovação. Se assim não for, muitos continuarão acreditando na ideia de que uma ou outra disciplina é a exclusiva culpada pelos fracassos – e sempre sobra para a Redação.

É o próprio diretor do Centro de Processos Seletivos da UFPA (CEPS), Luiz Acácio Centeno, no site da Universidade Federal do Pará, quem mostra o “caminho das pedras” sobre o processo como um todo ao afirmar que: “Muitas pessoas não atentam para o fato de que, desde que esse modelo foi adotado pela UFPA, existem critérios de eliminação”. Perceba-se que “existem critérios” e não uma singularização recaída sobre a produção de texto. Para ser mais preciso em minhas ponderações, consultei os Editais da UFPA e UEPA, que, aliás, estão lá publicamente disponíveis a quem interessar possa, para não dar nenhum “fora” e constatei 9 (nove) itens responsáveis pela eliminação de um candidato na instituição federal; e 7 (sete) na estadual. Ah, aproveito também para informar a dona Mônica, e às tantas mães e candidatos que se interessam “mesmo” pela avaliação da prova, ou mais especificamente da redação, que o item 11.4 do Edital da UEPA trata justamente dos critérios de correção da prova de redação; e o 8.7, em 10 (dez) subitens, trata com exclusividade, da prova que está por vir.

Outra questão relevante para o entendimento de como funciona o processo avaliativo de eliminação ou aprovação, a considerar a escrita de um texto, é a demanda dos cursos, ora. O fato do filho de dona Mônica ter obtido 6.3 na prova da UEPA e seus colegas terem tirado até mais e não serem aprovados, leva em consideração os cursos por eles pretendidos; injusto, sim, seria se todos eles estivessem pleiteando as mesmas vagas. Num dos cursos preparatórios para o qual presto meus serviços uma aluna que fez 14 pontos na redação foi aprovada em detrimento de outra que obteve 20 pontos e ficou fora. O motivo? A concorrência para os cursos por elas pretendidos. Tenho dito assim aos meus orientandos: uma redação de nota 8,0 pode não ser suficiente para um curso dos mais concorridos como fisioterapia, mas para meteorologia pode dar um primeiro lugar – claro que essa nota somada aos pontos obtidos na parte objetiva da prova; se não é culpa da redação sozinha eliminar alguém, por que haveria de esta também receber o mérito individual da aprovação, sejamos justos, pelo menos aqui.

Ainda sobre o exposto por dona Mônica em seu texto, concordo plenamente com o domínio que um acadêmico deve ter sobre o próprio idioma, mas não tão radical quanto à senhora, ao ponto de afirmar que só por isso não deva cursar uma universidade. Mas se é triste ouvir os inconvenientes da boca de quem não sabe, imagine ouvir daqueles que supomos, deveriam saber algo a mais? Já em relação à importância dada às outras disciplinas, dois elementos, na elaboração da própria redação, que são as relações entre textos (intertextualidade) e entre disciplinas (interdisciplinaridade). Agora é claro que para um candidato fazer uso de tais estratégias é preciso que seus orientadores (nos cursinhos ou nas escolas convencionais) façam uso dos exercícios que evidenciem essas vantagens e demonstrem por meio desses recursos que estudar é um todo e nada é desperdiçado.

Por fim, aos diversos vestibulandos que esperam por uma prova bem tranquila, e sem critérios obscuros para a avaliação, saibam que alguns dos elementos que diferenciam seus produtores e produtos é o quantitativo e a qualidade dos conteúdos aplicados na elaboração do texto. É isso mesmo! Pois se: a prova é a mesma a todos, os tipos de textos propostos (optativos ou obrigatórios) também, o tema idem, as informações dadas pelos professores a mesma coisa; então, o diferencial, muito obviamente, vai ser pelo que cada candidato sabe ou não sobre o tema, pela qualidade de seus argumentos e articulação com as palavras – o que pensa e como manifesta esse pensar em palavras escritas.

Alci Santos
Professor de Língua Portuguesa e Redação
professorsantos@bol.com.br

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